Meu feijão furado e Arraes após deposição: Golpe de 64 |
Lá em casa se comia feijão furado, naqueles tempos! É preciso lembrar todos os estragos que fizera em nossas vidas o golpe militar de
1964. Era ainda criança, contava nove anos de idade, mas lembro de ouvir pelas
ondas da Rádio Jornal do Commercio o governador Miguel Arraes de Alencar “esmurrando”
seu birô de trabalho e alardeando aos quatro ventos que não renunciaria. Só
sairia do Palácio do Campo das Princesas – morada governamental – pela porta
que entrara ou preso. Não sei se saiu pela porta da frente, mas saiu em um
fusca detido que fora. Antes, porém, deixou sua mensagem lida aos microfones da
JC: “Sei que cumpri até agora o meu dever para com o povo pernambucano, sei que estou fiel
aos princípios democráticos e à legalidade e à Constituição que jurei cumprir.
Deixo de renunciar ou de abandonar o mandato, porque ele está com minha pessoa
e me acompanhará enquanto durar o prazo que o povo me concedeu e enquanto me
for permitido viver”, disse Arraes já deposto. Aquela saída de fusca não ofusca
sua trajetória, ao contrário do que muitos pensam.
Líder sindical que era, meu pai
teve que fazer estripulias para se ver livre dos militares. Funcionário efetivo
da Rede Ferroviária do Nordeste, teve salário e outros ganhos reduzidos. As intempéries
daqueles tempos não foram favoráveis ainda mais com a calamidade instaurada
pela enchente de 1966, onde o Rio Tejipió arrastou o barraco que nos abrigava.
Aquilo não era moradia, era esconderijo, à beira do riacho, local a esmo e de
difícil acesso. Foi ali que vi ir embora, de uma vez por todas, a vida
tranquila que levávamos.
Algum tempo mais tarde fui
entender o porquê dos meus pais não frequentarem a feira-livre de Cavaleiro, distrito
de Jaboatão, antes algo tão corriqueiro. Eu, filho mais velho dos homens, era incumbido
de “fazer a feira”. Feijão, batata doce, farinha e muita piaba seca. Nada mais
havia na lista que minha mãe me dera àquela empreitada. O feijão encomendado
era de qualidade duvidosa, mas estava de acordo com o orçamento. Era dureza ter
que comer aquela “gororoba” com uns bichinhos saídos dos grãos cozidos,
temperados sei lá com quê. A grita era enorme protestando o prato servido quase
sem atrativo. A piaba salvava os cardápios do café da manhã, almoço e janta.
Daí o protesto:
- Mamãe, quero esse feijão não.
Tem bicho dentro!
- Coma calado, meu filho: Triste
do bicho que o outro engole!
Me veio a mente esse Líder Sindical, que foi titio Manuel...
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