Éramos encantados e o belo estava em nós |
Era tarde da noite,
creio que umas nove ou dez horas, a brincadeira corria solta no meio da rua. Eu
ouvia as palmas, parava, olhava e me despedia dos colegas. Era minha mãe
avisando o adiantar das horas. Dona do Carmo nem pronunciava meu nome, as palmas
eram o bastante entendíveis. Tinha que entrar, tomar banho e dormir. Televisão só
se assistia no horário vespertino, programas dirigidos à criançada, ou uma bem amena voltada à família. Havia os filmes violentos a exemplo de Rin tin tin,
onde o índio era tido como bandido. Isso é coisa de americano, quase dizimaram toda
a população indígena, os Peles Vermelhas.
Dee Brown conta
essa sórdida história em “Enterrem Meu
Coração na Curva do Rio”. Matava-se índio como se fosse brincadeira, a pretexto
do progresso montado em trilhos, abrindo passagem às locomotivas. E
imaginar que nós – pobres, felizes e inocentes que éramos – torcíamos pelo cachorro
Rin tin tin, Cabo Rusty e Sargento O’Hara. Era uma carnificina só. Popeye e Olivia
também faziam parte daquela diversão. O marinheiro sofriiiiia até que o espinafre,
tomado em doses salvadoras, fizesse o efeito tão aguardado por nós
telespectadores.
Havia todo um
ritual para aquelas tardes televisivas. Não se via televisão em todos os
domicílios, só “rico” possuía uma. E era num saudoso preto e branco. Por
“milagre” tecnológico apareceu uma tela com listas coloridas que, colocadas à
frente do aparelho televisivo, dava-nos a impressão de uma bela tv colorida.
Aquilo era a mais alta invenção humana, uma tv se assemelhando a uma tela
cinematográfica.
A meninada chegava
cedo, às tardes, para garantir o melhor lugar na janela, meia porta, grade... A
casa que possuísse um aparelho de televisão era sujeita àquela romaria. Os mais
próximos àquela família detentora dessa modernidade, tinham um acento na sala
da casa, mesmo que fosse no chão. Aí a criançada se amontoava para assistir aos
seriados: “A ilha misteriosa”, “A máscara do Zorro”, “Os cavaleiros do Rei
Arthur”, “Ivanhoé o vingador do rei”. Os desenhos eram igualmente chamativos e
inocentes a exemplo de “Manda-chuva”, “Catatau e Zé Colmeia”, “Tom e Jerry”, “Os Flintstones”,
“A pantera cor-de-rosa”. O fato é que eu sou de um tempo...
Vi pela janela de Gabino, Dr. Ledo, Seu Lola... até que o primeiro nos chegou. Chamava-o de Jipe. Tinha uma orelha, por assim dizer, onde fixava-se um transformador. P&B, também usamos a tela colorida, mas não de listas, de manchas irregulares...
ResponderExcluirO tempo passa e o que passava foi se deteriorando.... Sou de um tempo em que a TV Brasileira, além dos enlatados americanos, copiava a nossa cultura popular... quando vi numa escola a professora copiando a TV, conclui que era o fim do mundo. É, acabou sem que a gente notasse. Desde então não confio em mais nada nos canais abertos tipo Globo, SBT, Ban(d), Record, RedeTV (!) e suas afiliadas locais... se espremer sai sangue, com honrosas exceções.