terça-feira, 31 de março de 2015

Ouçam aquele sax!

  Diogo Batista: grande seresteiro
- É ele, é ele, é ele!
- Ele quem, homem de Deus?
- É Zé Boneco. Escutem o som do saxofone!
- Tais delirando, Diogo. Zé Boneco escafedeu-se, tá lá no Rio...

Dia já amanhecendo e aquele "mói" de gente aguardara transporte para o regresso à Esperança. Dava para ver a barra da aurora brigando com a escuridão da madrugada. Era um domingo, a noite do sábado ficará para trás com o enfado da seresta e bebericagens. Não era fácil encontrar transpor àquele tempo, o jeito era esperar no breu do tempo. Fazia-se um silêncio melancólico, sem cantos nem encantos de ave alguma. Nem mesmo os galos se ouvia anunciando aquele amanhecer que se demorara por chegar, nos conta Vicente Simão, um dos presentes naquele episódio em terras de Campina Grande. Do nada se vê Diogo Batista, seresteiro de ouvidos mais que apurados, pedir silêncio como se maior silêncio fosse possível. Todos estranharam aquela atitude até que Diogo insiste e, de pronto é atendido, mesmo a contragosto de quem nada entendera. Silêncio pra quê?!
Zé Boneco, exímio saxofonista, havia se ausentado de Esperança fazia quase três décadas. Há muito não se tinha notícias suas. Sabia-se, era fato, que se fora para o Rio de Janeiro e que lá fizera carreira de músico, tocava nos mais requintados espaços das noites cariocas. Mas notícia mesmo de onde se instalara e como vivera, nenhuma. Cartas, telegramas, telefonemas não havia como sinal de vida. Até mesmo os parentes mais próximos desconheciam algo que se pudesse indicar paradeiro. Morar no Rio de Janeiro, à época, era como se se estivesse no Japão, outro lado do mundo. Pau-de-arara era transporte comum e levava dias intermináveis para se chegar àquele destino, à Guanabara então capital do país. Mas Zé Boneco morava lá, se sabia.
Então se fez ainda mais silêncio para contemplar os ouvidos de Diogo. Aquele seu gesto de mãos ao “pé-da-orelha” era gesto indicativo de algo estranho ocorrera nas cercanias dali. Diogo foi-se afastando do grupo, chegou ao meio da estrada que hoje marca o Ponto Cem Réis como limítrofe dos bairros do Alto Branco e Conceição. Caminhou, parou, escutou! Todos o acompanhavam com olhar de estranheza extrema até que Diogo despejou seu contentamento que soava como loucura aos demais: "É ele". Então seguiram o som. A três quadras dali estava o saxofone soprado com a arte de Zé Boneco.
Incrível, mas Diogo distinguiu aquele sopro três décadas após ouvi-lo na última serenata.

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