Acordei e nada notei diferente. Tudo está do mesmo modo dantes, afora a
certeza do envelhecimento comum a todo mortal. Eu não fujo à regra, percorro o
mesmo caminho. Logo mais, precisamente às dez horas, entrarei no rol dos sexagenários.
Um longo caminho percorrido para quem nasceu de sete meses e, antes de vestir o
timão (aquela roupa dos recém nascidos) foi envolvido numa mortalha. Não
sobreviveria, segundo dona Maria Barbosa, a parteira. Madrinha Geraldina e sua
mãe, madrinha Tonhá, saíram às pressas em busca de pano para tecer a mortalha.
Imagino-as descendo as escadarias da Rua Natividade Saldanha, bairro de
Cavaleiro, na Jaboatão que ainda viria a ser dos Guararapes, muitos anos depois.
Driblei a morte no dia do nascimento. Dias depois veio o alarme: tragam a vela,
o menino morreu! A sentença foi traída pelo meu choro. Um pingo queimou-me os
dedos e alardeei ao mundo que estava vi-vê-o-vó!
Mais tarde outra sentença pedia a piedade e os cuidados redobrados dos
meus pais para comigo: não chegaria aos dez anos. Donde o doutor
Petrônio tirou essa ideia, não sei, mas a sentença estava dada e por este motivo não fui
à escola, nem levei “peia”. Só aos dez anos sentei-me num banco escolar e
provei do verbo “apanhar”. Isto depois de passar por uma tuberculose aos cinco.
Talvez deva agradecer às promessas de minha mãe. E foram muitas. Lembro de
tê-las pago junto a dona Maria do Carmo, minha mãe, que de mim não desistia. Ia no trem de Paquevira cumprir
promessa em São Benedito; o trem de Carpina nos levava a São Severino do Ramo e;
o da Serra, à Belo Jardim, pagar promessa a São Sebastião. Tive que andar muito
de trem, num périplo da fé, para me manter vivo. Daí um enorme apego às
estradas de ferro, suas locomotivas, vagões e estações de passageiros.
Passageiro desta viagem, já sexagenária, cultivei amizades, muitas
amizades. Sempre procurei não criar ou deixar arestas. Ao contrário do que
muitos pensam, perdão e desculpa fazem parte do meu vocabulário cotidiano. Cometi
muitos erros, estou certo disso, mas os acertos me dão um saldo pra lá de
positivo. A vida é generosa comigo, a ela sou muito grato. Vou por aí
desfrutando de suas belezas e, também, das muitas agruras, caminhando, cantando
e seguindo a canção:
“Ando devagar porque já tive pressa e levo este sorriso porque já
chorei demais”.