sábado, 31 de janeiro de 2015

Sexagenário

Acordei e nada notei diferente. Tudo está do mesmo modo dantes, afora a certeza do envelhecimento comum a todo mortal. Eu não fujo à regra, percorro o mesmo caminho. Logo mais, precisamente às dez horas, entrarei no rol dos sexagenários. Um longo caminho percorrido para quem nasceu de sete meses e, antes de vestir o timão (aquela roupa dos recém nascidos) foi envolvido numa mortalha. Não sobreviveria, segundo dona Maria Barbosa, a parteira. Madrinha Geraldina e sua mãe, madrinha Tonhá, saíram às pressas em busca de pano para tecer a mortalha.
Imagino-as descendo as escadarias da Rua Natividade Saldanha, bairro de Cavaleiro, na Jaboatão que ainda viria a ser dos Guararapes, muitos anos depois. Driblei a morte no dia do nascimento. Dias depois veio o alarme: tragam a vela, o menino morreu! A sentença foi traída pelo meu choro. Um pingo queimou-me os dedos e alardeei ao mundo que estava vi-vê-o-vó!
Mais tarde outra sentença pedia a piedade e os cuidados redobrados dos meus pais para comigo: não chegaria aos dez anos. Donde o doutor Petrônio tirou essa ideia, não sei, mas a sentença estava dada e por este motivo não fui à escola, nem levei “peia”. Só aos dez anos sentei-me num banco escolar e provei do verbo “apanhar”. Isto depois de passar por uma tuberculose aos cinco. Talvez deva agradecer às promessas de minha mãe. E foram muitas. Lembro de tê-las pago junto a dona Maria do Carmo, minha mãe, que de mim não desistia. Ia no trem de Paquevira cumprir promessa em São Benedito; o trem de Carpina nos levava a São Severino do Ramo e; o da Serra, à Belo Jardim, pagar promessa a São Sebastião. Tive que andar muito de trem, num périplo da fé, para me manter vivo. Daí um enorme apego às estradas de ferro, suas locomotivas, vagões e estações de passageiros.
Passageiro desta viagem, já sexagenária, cultivei amizades, muitas amizades. Sempre procurei não criar ou deixar arestas. Ao contrário do que muitos pensam, perdão e desculpa fazem parte do meu vocabulário cotidiano. Cometi muitos erros, estou certo disso, mas os acertos me dão um saldo pra lá de positivo. A vida é generosa comigo, a ela sou muito grato. Vou por aí desfrutando de suas belezas e, também, das muitas agruras, caminhando, cantando e seguindo a canção:
“Ando devagar porque já tive pressa e levo este sorriso porque já chorei demais”.

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