quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Uma mão estendida II

Seu Soares, meu pai, era homem rude, mas coração generoso. Deu-me prova disso em diversas oportunidades, mas um episódio em sua vida nos deixou perplexos e suscitando uma intervenção enérgica de dona Maria do Carmo, minha mãe, em favor de Sebastião, em certa manhã, ao acordarmos com um alarido rua afora. Era Sebastião Leso, um desses seres especiais que a vida coloca junto a nós para crescimento espiritual, “doido” para a maioria dos moradores de Coqueiral, bairro recifense, mas pelo episódio que passarei a contar tenho a impressão de ter muita lucidez.

Na enchente de 1966, com o Tejipió inundando boa parte dos arredores de Recife, tivemos que reconstruir nossa morada. O barraco de madeira dava lugar a uma casa de alvenaria à beira daquele riacho, o Tejipió. Feito o alicerce, levantamos os cômodos que nos abrigariam e, daí por diante, tocaríamos o resto da obra dentro das possibilidades do meu pai, funcionário público da Rede Ferroviária. Então enfileiramos os tijolos, num espaço lateral da casa, aguardando a continuação da alvenaria. Eram tempos difíceis, onde tudo era medido e pesado para que o orçamento cobrisse o mês. Não se tinha as facilidades de hoje com a variedade de material, condições de compra a crédito, mão-de-obra...

É aí que entra nosso personagem, o Sebastião Leso. Notávamos,  a cada manhã, pedacinhos de tijolos juntados em um canto do muro, de forma a denunciar a quebradeira e o cuidado com a não dispersão dos cacos. Naquela manhã do alarido, meu pai o pôs pra correr, ainda muito cedo, flagrando o malfeito e seu benfeitor: Era Sebastião, sem nenhum contrassenso. Ao contrário do que muitos pensam não era por mal que ele quebrara os tijolos. Interrogado no almoço, por minha mãe, confessou:
- Dona Carminha, só queria ajudar seu Soarinho. Eu tava fazendo muito!

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