Aos
94 anos de idade muitas foram as histórias de Silvestre Batista. E elas
estão divididas em dois tempos, um antes e outro a partir dos sintomas
da Alzheimer. Ao contrário do que muitos pensam, a doença acomete cerca
de 15% dos 60 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade, no
Brasil. 2 milhões e 250 mil destes são acometidos pelo mal,
segundo dados da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz). Seu
Silvestre era integrante dessa estatística. Os sintomas são comuns aos
portadores da doença.
Dentre
os muitos sintomas do Mal de Alzheimer está a desconfiança. Por
isso Silvestre carregou, por mais de uma semana, um volume considerável
de notas de Real, moeda corrente em nosso País, que somavam seis mil. E
andava rua acima, rua abaixo, com a volumosa quantia em um dos bolsos da
calça. Claro que tínhamos o cuidado de ter alguém “pastorando”, mesmo a
contragosto seu. Mas havia um perigo iminente por chamar a atenção dos
transeuntes. Naquela semana dormia com a mesma calça, cuidado
permanente.
Até
que, por insistência minha, resolveu usar o cofre remanescente da
Alfaiataria Pernambucana, de sua propriedade, década de 1940. A ideia
foi boa porque não mais haveria o risco de roubo ou furto em via
pública, mas o zelo com o dinheiro nos tomava tempo e paciência. Numa
das vezes em que fui solicitado para averiguação da existência do volume
guardado, me tomou quase uma manhã de domingo. Por sorte recebo a
visita − mais que providencial − do compadre Manoel Rocha, homem da
inteira confiança de Silvestre. Então explico rapidamente o que se
passara e passo o posto ao compadre. Silvestre não perde tempo e inicia
sua averiguação:
- Rochinha, tais vendo o dinheiro?
- Tô, seu Silvestre!
- Então fecha o cofre!
- Fechei, seu Silvestre!
- Abre pra gente ver!
- Abri!
- O dinheiro tá aí?
- Tá, sim, senhor!
- Fecha...
Essa
averiguação se deu por alguns longos momentos até que sou procurado pelo
compadre Rocha, já sem paciência: “Carlos, essa já é a
trigésima vez que abro e fecho esse cofre!”.
Ao me ver por perto,
Silvestre continua: “Carlos, por obséquio, abre esse cofre...”.
Conheci e sei do rigor consciente em seu modo de ser. Não seria diferente naqueles momentos onde o consciente fica meio automático.
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