domingo, 22 de junho de 2014

Muitos pensam ao contrário sobre jogos pueris

Quero voltar à infância, aos bons tempos de menino. Já o fez Manuel Bandeira e, depois, Jessier Quirino, meus “zói” já tão marejando, minh’alma sorri cantando e o coração se bulindo. Para ser competitivo tinha que ser bom no taco, pegando as bolas de gude que carregava num saco pr'elas deslizar na terra. É perito quem não erra, caindo em cada buraco. Buracos contavam três qu’eram cavados no chão: Cum graveto eu dava um traço pra linha da marcação, quem mais se aproximasse, mesmo que nem festejasse, faria a iniciação.

Jogava a bola e torcia qu'ela entrasse na caçapa e os outros se revezavam, iam cumprindo a etapa. Talvez ela nem caísse, quase desaparecesse, mas não sumia do mapa. Era só medir um palmo, mirando na posição, prender com o polegar e o indicador da mão, afinar a pontaria treinada de noite e dia: na bola dar impulsão. A bolinha ia rolando pra causar satisfação ao atingir um buraco ou quebrando a objeção de um ou outro adversário, por vezes um “salafrário”, dentro da competição. Quem estivesse na vez mediria palmo a palmo, não valia estar nervoso, melhor joga quem tá calmo. “Deus ajuda ao mais afoito, perdoa dez vezes oito”: Tá escrito em algum salmo. Um buraquinho por vez pra chegar a ser papão e “matar” os companheiros (matar, força de expressão). Todo mundo era amigo, hão de concordar comigo, e o jogo a diversão. Papão acertava um, acertava outro também, ia acertando um por vez até não haver ninguém. No jogo não há limite, arrisco até um palpite: Pode jogar mais de cem! O cabra mais desasnado, ficando sozinho e só, era o grande campeão e num pingo dava um nó, fosse no Estado Zunido, num mapa tão descabido do Japão ao Cafundó.

Trace um triângulo na terra com um prego ou um graveto, faça um riscado adiante com carinho e com afeto, chame toda meninada sem gente descriminada: Pobre, rico, branco ou preto! Bote bolas no triângulo, fique em cima do riscado, arremesse com a mão pra tirá-las do traçado. Aquele que mais tirar, pode então comemorar. É o primeiro colocado. Também se ganha o jogo liquidando o adversário, dando um teco em cada um, recebendo o numerário co'as bolas de quem saiu, tomou Doril depois sumiu”: E ganhou o “obituário”. Tem bola de toda cor e tamanho variado. Se joga com qualquer uma, depende do combinado ou convencido no “berro”. Tem até bola de ferro de rolamento quebrado. Lembro a hora do bãe que era de arripunar, toda vez eu me escondia pra mamãe não me achar. Rezava pr'ela esquecer, deixando eu me entreter e ela de procurar. Sem perigo e sem demora mãe logo me encontrava, pronunciava meu nome, chega o coração pulava. Via estrela e o céu zunir – mesmo eu não querendo ir – pela orelha ela levava. Meu pai já tinha chegado e o jantar tava servido, televisão não havia e o programa preferido era brincar de artista em um sonho futurista: Ser xerife ou ser bandido. Era enorme a inocência dessa e tanta geração. Pra nós índio era bandido na pouca compreensão (Com pensar pouco fecundo) que se tinha desse mundo e da civilização.

Torcia por Rin-tin-tin, o índio que se lascasse. Do cinema e do jibi cada um que imitasse seu artista preferido no papel mais pretendido, aí se dava o impasse. Bandido ninguém queria ser em nossas brincadeiras, e pra sair desse impasse, recolhia as baleeiras, encerrava a sessão e guardava a munição: Frutos de carrapateiras. Toda noite se brincava com todo consentimento e a barra-bandeira era um grande divertimento. Quase se varava a noite, um barulho de açoite com a turma em movimento. Vamos lembrar da queimada, baleada, como queira, jogo com bola na mão bem atirada e certeira, sem caminho obstruído, acertando o distraído com pontuação festeira. Dividia-se um retângulo com um risco bem no meio, equipes de cada lado, era um grande recreio. Ao invés de chorar, ria: A bolada até doía, mas ninguém tinha receio.

Já no jogo de pião carecia habilidade pra zunir, rodopiar com toda velocidade, aparado na ponteira. Nessa bela brincadeira, pra jogar não tinha idade. Jogava o bicho no chão, enrolado na ponteira pra acertar outro pião, artefato de madeira. Imaginação e asa: podia ser feito em casa ou comprado em mêi de feira. Tinha que rodopiá-lo, botar na palma da mão, jogar o diacho pra cima, malabares num cordão. Rodopiá-lo na unha, como muita gente sonha: Que bela apresentação. Outro jogo era a pelada de Garrincha e de Pelé que se jogava na rua, ou em um lugar qualquer, onde tudo hoje é asfalto cuja obra é um assalto: E o jogo não dá mais pé. Lembro o jogo de botão, jogado pela calçada, não precisava dinheiro, só chifre e quenga ralada, caixa de “fosco”, goleiro e em qualquer relojoeiro tinha farta botãozada.

Joguei com bola-de-meia, bola-de-gude e pião. De doutor, quem não brincou!? De cabra-cega ou gamão, na calçada eu já joguei: Se perdi, também ganhei, “Cara-e-croa” e botão. Eu cacei de balieira, já fui craque na pelada, brinquei de barra-bandeira, joguei lebre na calçada. Lambuzei de lama um pau, brincava em qualquer quintal ou rua não asfaltada. No morto-vivo eu fui bobo e aprendi ficar esperto. Quebrei panela de barro com um olho semiaberto. Um jeito “malamanhado”, o bastão bem apontado sem a venda atirei certo. Corrida de saco é uma diversão bem prazerosa. Fiz cuscuz feito de areia cum graveto em polvorosa, o cuscuz se desmanchou e a brincadeira acabou: “Nós é pobre, mas nós glosa”. Com uma roda, um arame e um patim de rolimã eu juntei a meninada: Primo, prima, irmão, irmã e a turma toda animada correndo sobre a calçada, nessa brincadeira sã. Pulei de academia, pra outros amarelinha, passei pedra, pulei corda e dancei a carranquinha. Fiz uma estátua ao tocar sem pedido de cessar dessa gente miudinha.

Hoje vou brincar de pega, boca de forno ao luar, vou ouvir um acalanto que é cantiga de ninar. De esconde-esconde também, não há de sobrar ninguém: Quem não vai querer brincar?! Brincar de passar a pedra ou de esconder a pêia, boca de forno e de pega, jogo de bola de meia... Pra quem disso desfrutou, duvido que experimentou a Febem ou a cadeia!

Um comentário :

  1. Eis aqui um monte de poesia, de jogos pueris. Os quero como cordéis, registrado nos papéis pra ler ao tirar do bolso como fortuna maior. Pena que a letra miúda me seja um deus-me-acuda. Mas espero a impressão para firmar compromisso para o cordel promover. Parabéns! Eu pago pra ver/ter!

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