- Corre, corre
Geraldina! Chama dona Maria Barbosa, diz que o menino tá já nascendo.
Era uma
segunda-feira, dia dedicado pela igreja católica à celebração de missas e
entoação de ladainhas às almas do purgatório. Maria do Carmo, gestante de sete
meses, não contara com aquele imprevisto, o menino nasceria sem o enxoval
habitual. Com a chegada da parteira – dona Maria Barbosa – a mulherada assistente
apressou-se na confecção do enxoval, até que se ouviu o choro minguado do bebê.
Ao contrário
do que muitos pensam, aquela história de missas e ladainhas tem muito a ver com
o evento daquela noite. Ao ouvir o zum-zum-zum pela pressa do enxoval a
parteira logo sentenciou: – Não percam tempo, façam uma mortalha. A criança não
atura muito tempo, é prematura. Também acendam uma vela, façam com que a chama
fique acesa, até chegar a hora.
Passou-se a
noite, rompeu-se a madrugada e, antes que o dia amanhecesse, ouviu-se outro
choro miúdo, acanhado. Eu chorara (soube tempos mais tarde) com um pingo da
vela caído sobre minhas mãos. Então se deu o alarido e o dia raiava com a
notícia de que eu sobrevivera. “Tem um anjo-de-guarda forte”, confidenciou a
comadre Tonhá, mãe de Geraldina, a costureira da minha mortalha. Já que foi
assim, assim ficasse. Aquela indumentária passou a fazer parte do enxoval tardio.
Dentre as assistentes estavam dona Elza, tomada como minha madrinha de batismo
e dona Tonhá, crisma. Carecia pressa para deixar a vida pagã, o futuro era
incerto. Doutor Petrônio, médico da família, havia sentenciado que eu não
passaria dos dez anos. Aos cinco já fora acometido por tuberculose, doença
braba àquela época. O desfecho parecia irremediável.
A teimosia na
pressa de nascer, talvez, fora um protesto pela data. Em 31 de janeiro de 1955
era empossado, como governador eleito por Pernambuco, o general Osvaldo
Cordeiro de Farias, um arrivista que transitou desde o movimento tenentista –
como membro proeminente da Coluna Prestes – à subserviência do regime militar
no golpe que derrubou o presidente João Goulart. O que me faz imaginar essa
proeza é o local do meu nascimento. Jaboatão era tida como reduto de resistência
política, e, como se não bastasse, a Rua levava o nome de Natividade Saldanha,
um dos maiores revolucionários pernambucanos, aliado dos generais Abreu e Lima e Simón
Bolívar, na luta por uma “Pátria Grande”, projeto que intencionava a integração
latino-americana com a unificação política das nações
hispano-americanas.
Venci uma tuberculose
(aos cinco anos), a fome, o tédio e outros males.
Cá
estou, hoje, inteirando 65 com a energia dos trinta!
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