sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Teimosia e pressa

- Corre, corre Geraldina! Chama dona Maria Barbosa, diz que o menino tá já nascendo.
Era uma segunda-feira, dia dedicado pela igreja católica à celebração de missas e entoação de ladainhas às almas do purgatório. Maria do Carmo, gestante de sete meses, não contara com aquele imprevisto, o menino nasceria sem o enxoval habitual. Com a chegada da parteira – dona Maria Barbosa – a mulherada assistente apressou-se na confecção do enxoval, até que se ouviu o choro minguado do bebê.
Ao contrário do que muitos pensam, aquela história de missas e ladainhas tem muito a ver com o evento daquela noite. Ao ouvir o zum-zum-zum pela pressa do enxoval a parteira logo sentenciou: – Não percam tempo, façam uma mortalha. A criança não atura muito tempo, é prematura. Também acendam uma vela, façam com que a chama fique acesa, até chegar a hora.
Passou-se a noite, rompeu-se a madrugada e, antes que o dia amanhecesse, ouviu-se outro choro miúdo, acanhado. Eu chorara (soube tempos mais tarde) com um pingo da vela caído sobre minhas mãos. Então se deu o alarido e o dia raiava com a notícia de que eu sobrevivera. “Tem um anjo-de-guarda forte”, confidenciou a comadre Tonhá, mãe de Geraldina, a costureira da minha mortalha. Já que foi assim, assim ficasse. Aquela indumentária passou a fazer parte do enxoval tardio. Dentre as assistentes estavam dona Elza, tomada como minha madrinha de batismo e dona Tonhá, crisma. Carecia pressa para deixar a vida pagã, o futuro era incerto. Doutor Petrônio, médico da família, havia sentenciado que eu não passaria dos dez anos. Aos cinco já fora acometido por tuberculose, doença braba àquela época. O desfecho parecia irremediável.
A teimosia na pressa de nascer, talvez, fora um protesto pela data. Em 31 de janeiro de 1955 era empossado, como governador eleito por Pernambuco, o general Osvaldo Cordeiro de Farias, um arrivista que transitou desde o movimento tenentista – como membro proeminente da Coluna Prestes – à subserviência do regime militar no golpe que derrubou o presidente João Goulart. O que me faz imaginar essa proeza é o local do meu nascimento. Jaboatão era tida como reduto de resistência política, e, como se não bastasse, a Rua levava o nome de Natividade Saldanha, um dos maiores revolucionários pernambucanos, aliado dos generais Abreu e Lima e Simón Bolívar, na luta por uma “Pátria Grande”, projeto que intencionava a integração latino-americana com a unificação política das nações hispano-americanas.
Venci uma tuberculose (aos cinco anos), a fome, o tédio e outros males.
Cá estou, hoje, inteirando 65 com a energia dos trinta!

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