domingo, 12 de outubro de 2014

Viagem no tempo III


O Rubem Alves dizia que não se deveria voltar a um lugar tentando encontrar o passado: “O passado não está mais lá...” A Belo Jardim daqueles tempos não é e nunca mais será a d’agora. Lá, bem distante daqui, ainda em finais da década de 60, havia muita festa para comemorar o Dia de São Sebastião, em 20 de janeiro, seu santo padroeiro. Eu não entendia porque minha mãe me vestia com uma túnica e me acompanhava descalça como eu. Soube mais tarde que era cumprimento de promessa à cura de um mal que me acometera. Tudo aquilo me chamava a atenção com a procissão de fiéis, subindo e descendo ladeiras, seus cânticos sempre acompanhados pela Cultura e Filarmônica. Às janelas viam-se pessoas disputando lugares de olhos fixos no cortejo.


Trago na memória aqueles músicos uniformizados. A Cultura e a Filarmônica eram uma festa à parte. Afora a festa sagrada havia as retretas onde essas bandas de música abrilhantavam a comemoração profana. A Praça da Matriz lotada não oferecia mais lugar para tanta gente. O parque de diversão era um grande atrativo para crianças e jovens que disputavam os carroceis, botes e roda-gigante. O algodão-doce, os roletes-de-cana, as maçãs-do-amor e as beiras-secas eram guloseimas maravilhosas a encher nossos olhos. Havia, ainda, o serviço de alto-falantes (difusora) a tocar os sucessos do momento e os recados de casais enamorados: “De alguém para você de saia branca rendada, nos cabelos duas tranças, na boca um batom vermelho, arreceba com amorrrr esta cançãaao”.

Ao contrário do que muitos pensam, nem tudo era assim tão belo. À noite, quando nós – as crianças – deveríamos nos recolher, minha tia Tina era encarregada de velar por nosso sono. Mas convocava o primo Edvaldo a exercer aqueles cuidados. Devia agradá-lo com algumas moedas ou guloseimas. Aí toda aquela festa perdia seu encanto. Meu primo, com seus oito anos a mais, deixava toda a casa na escuridão e, com um lampião de gás se achegava às nossas redes, revirava as pálpebras dos olhos e nos assustava com um grito de “morrrrra onçaaaaa”, cujo significado eu nunca soube, o medo nunca esqueci. Esses episódios, aos meus pais e tios, nunca os contei. Era de me arrepender, segundo o primo que, afora isso, nos contava estórias fabulosos que enriqueceram, e muito, nosso imaginário.

De volta à estação ferroviária, o “Trem da Serra”, seu apito e fumaça denunciavam um adeus e até logo!

Nenhum comentário :

Postar um comentário